segunda-feira, 8 de agosto de 2022

Razões para NÃO cursar Medicina


Se você é daqueles que ainda se iludem com uma visão romântica da Medicina, crendo que, ao final da faculdade, terá uma vida de "glamour", status e sucesso profissional e financeiro, esqueça! Isso não corresponde aos imperativos históricos imediatos. É melhor - e sábio e prudente - abrir seus olhos para a realidade atual da profissão neste país!

A seguir serão apresentados alguns dentre os vários motivos pelos quais você deve rever seus conceitos acerca da Medicina e redirecionar suas prioridades, seus esforços e recursos para outras opções menos dolorosas e mais vantajosas sob diversos aspectos.

1 - A figura idealizada do Médico bem sucedido, "rico", querido e respeitado pela maior parte da população definitivamente é algo que ficou no passado! O panorama atual é de profissionais insatisfeitos, frustrados com a carreira médica, cansados, sobrecarregados, desrespeitados, aviltados...

2 - No Brasil, em função de fatores culturais, políticos e sociais, entre outros, os médicos em geral são cada vez menos valorizados e respeitados. A Medicina perdeu muito do prestígio de que gozava em um passado não muito distante. Os praticantes da Arte Hipocrática, em sua maioria, são cidadãos de classe média, necessitando desdobrar-se em vários trabalhos, com uma carga horária semanal geralmente superior a sessenta horas, tentando manter um padrão de vida para atender às demandas pessoais e familiares em consonância com as pressões de consumo da sociedade nos tempos hodiernos.

3 - Os ambientes de trabalho são, na maior parte, extremamente insalubres, e até mesmo perigosos, pois não é raro o médico ter que - por necessidade - trabalhar em áreas de risco, onde predominam elementos como tráfico de drogas, violência extrema, ausência do poder público etc. Nas unidades vinculadas ao sistema público de saúde geralmente falta o básico para a prática de uma Medicina digna. Como atua na linha de frente do atendimento, o médico muitas vezes torna-se refém da violência de parte da população, que, insatisfeita com as falhas do sistema, acaba transferindo sua revolta para o profissional de saúde, o qual é personificado como uma espécie de "válvula de escape" para os cidadãos mais impacientes e irritados. Não são raros os casos de ofensas verbais, ameaças e agressões físicas. A violência tornou-se uma realidade no cotidiano da labuta médica neste país, e o profissional, na maioria das vezes, está por sua própria conta, pois não pode contar com a proteção do Estado. Na maior parte das Unidades Básicas de Saúde sequer há vigilantes patrimoniais.

4 - A Medicina deixou de ser uma área com fartura de oportunidades de trabalho. Na verdade, o mercado de trabalho médico demonstra sinais evidentes de saturação, e já é possível ver casos de profissionais desempregados e enfrentando dificuldades para encontrar emprego. Aliás, "emprego" é algo cada vez mais raro na área médica: os postos de trabalho com carteira assinada são cada vez mais escassos. Isto é, vagas CLT, com direitos e garantias trabalhistas como férias remuneradas, décimo terceiro salário, FGTS, INSS etc. estão diminuindo consideravelmente. A tendência atual é a informalidade, com sua maior expressão no processo de "pejotização" da Medicina. Prefeituras estabelecem contratos com empresas que terceirizam - ou até mesmo "quarteirizam" - a mão de obra médica. Os profissionais, nesse sistema, devem abrir empresas com vistas a emitir notas fiscais pelos serviços prestados aos municípios. Não há cobertura de direitos trabalhistas. Não há sequer mesmo a garantia quanto ao recebimento de salários. Atrasos nos pagamentos são muito frequentes, e não são raros os casos de calotes contra médicos.

5 - O desemprego médico está aumentando devido a, entre outros fatores, a explosão do número de cursos de Medicina ocorrida nos últimos vinte anos. Em um curto intervalo de tempo, o Brasil mais do que dobrou a quantidade de faculdades de Medicina no país. Até 2013 eram 148. De lá para cá o número saltou para 352, principalmente a custa das faculdades privadas, e não para de crescer. Também houve aumento significativo no número de vagas nos cursos já existentes. Atualmente o país conta com mais cursos de Medicina do que a China e a Índia - países muito mais populosos. A quantidade de médicos em atividade no Brasil ultrapassa os 500.000. Anualmente mais de 25.000 novos médicos são formados nas terras tupiniquins, e as projeções mais recentes indicam que, em breve, esse número será de 35.000 médicos ingressando no mercado de trabalho brasileiro a cada ano! Já há muito tempo existe uma grande defasagem de vagas nos programas de Residência Médica (considerado o padrão ouro para a formação profissional do médico), que não conseguem absorver todos os recém-formados.

6 - A formação em Medicina demanda muito estudo, dedicação, disciplina, tempo. O curso de graduação, que no Brasil é o Bacharelado em Medicina, tem duração mínima de seis anos. É integral, ou seja, o aluno tem aulas teóricas e práticas nos dois turnos (matutino e vespertino, e em muitos casos até mesmo noturnas). Se, após formado, o médico optar por seguir uma especialização, deverá ingressar, via concurso, em algum programa de Residência Médica, tendo que gastar entre dois e seis anos - ou mais, dependendo da especialidade escolhida. A concorrência é cada vez mais alta, e a maioria fica de fora, tendo então que atuar como generalista - normalmente no sistema público de saúde.

7 - No final, a formação médica, desde a graduação até a especialização, pode resultar em doze anos: tempo que requer dedicação exclusiva, abdicação de várias coisas como o convívio familiar e com os amigos, o lazer, o envolvimento com outras atividades etc. Se o aspirante ao curso de Medicina, por algum motivo, não conseguir ingressar em uma Universidade Pública (especialmente uma Federal), terá como alternativa procurar alguma das várias privadas disponíveis no mercado. Todavia, deverá - se tiver condições financeiras suficientes - desembolsar quantias exorbitantes a título de mensalidades, que chegam a superar a cifra dos R$ 10.000,00!

Por essas e outras razões e nuances é muito importante que o aspirante ao curso de Medicina reflita o suficiente acerca de suas pretensões, seus anseios, suas expectativas, suas possibilidades etc., antes de partir para a empreitada de enveredar-se pelos meandros da profissão médica neste país. Deve considerar todos os fatores envolvidos, os prós e os contras, a evolução da sociedade e as tendências do mercado. Deve ter em mente o fato de que irá lidar diretamente com pessoas, ser responsável pelo cuidado de vidas humanas, trabalhar sob condições limitantes, trocar o dia pela noite, atuar sob stress intenso em plantões insanos, convivendo com as mazelas, as falhas e as fragilidades de um sistema de saúde que, em muitos casos, não favorecem em nada o trabalho e representam uma armadilha perigosa para o médico. Precisa saber que, inevitavelmente, irá expor-se a riscos severos, lidar com os egos hipertrofiados de alguns colegas de profissão, com o ranço e a inveja de outros, com a violência e a insatisfação dos usuários do sistema de saúde...

Além da vocação para o exercício da Medicina, é necessário contar com disposição constante para os estudos, desenvolver habilidades clínicas, cirúrgicas, manuais, e especialmente cultivar a inteligência emocional e a inteligência social para poder transitar com mais confiança e segurança no terreno das relações humanas. Adicionalmente, é preciso aprender a conviver com a dor, o sofrimento e a morte, sem permitir que tais elementos afetem significativamente sua própria saúde mental e emocional, ao mesmo tempo em que deve tentar manter viva a sua humanidade, cultivando qualidades como empatia, compaixão, compreensão, paciência, resiliência...

Esses foram apenas alguns aspectos atinentes à Medicina, especialmente no que concerne à realidade brasileira. Se, após ter lido com cuidado e atenção todo o texto, e analisado racionalmente cada detalhe de tudo que aqui foi exposto, você decidir fazer parte dessa realidade, que o faça com o máximo de consciência e tendo conhecimento de todos os percalços e obstáculos que deverá encontrar ao longo de sua - longa - jornada! Se os argumentos aqui apresentados conseguirem convencê-lo a mudar de ideia e direção, saiba que há opções certamente mais interessantes e muito menos dolorosas. Qualquer que seja a sua decisão, a sua escolha, que Deus possa iluminar sua mente e os seus passos, e você consiga trilhar com maestria o caminho que lhe pareça mais agradável, seguro, útil, verdadeiro, compatível com o seu perfil e satisfatório para a sua vida.

Mas uma coisa é certa: se você vislumbra na Medicina apenas uma chave para acesso a um provável cofre que, teoricamente, irá resolver todos os seus problemas, abandone de vez esse devaneio. Não se atenha unicamente a aspectos de ordem financeira. Suas chances de fracasso, frustração e naufrágio na profissão e na vida serão diretamente proporcionais às suas ilusões e à sua visão limitada. Conforme mencionado no parágrafo anterior, existem opções menos estressantes, que demandam menos tempo, custos e esforços e poderão culminar com desfechos mais gratificantes, incluindo paz de espírito, estabilidade financeira, satisfação pessoal, segurança, reconhecimento profissional, respeito, valorização, dignidade e a tão sonhada felicidade!



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